O ANARQUISMO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

PREMISSA


A 25 de Novembro de 1975 um golpe de estado militar - coniventes o Presidente Provisório da República, a igreja católica, a embaixada USA, os capitalistas locais, as direitas políticas e sectores da esquerda extrema para combater o Partido Comunista Português - acabava com a experiência, aparentemente pré-revolucionária, começada a 25 de Abril de 1974: a assim chamada "revolução dos cravos", que derrubou o governo católico/fascista do sucessor de Salazar, Marcelo Caetano.

Sem os êxitos esperados por uma parte grande do povo português e pelas esquerdas no estrangeiro, concluía-se assim uma temporada política de exaltação que - além da eliminação do regime fascista europeu de mais longa duração - suscitou esperanças tão entusiastas, quanto infundadas, de revolução social. Deste modo fechava-se em Portugal um longo ciclo de convulsões políticas e sociais sangrentas, iniciado em 1807, o ano da invasão napoleónica. Portugal podia juntar-se às democracias burguesas, mais o menos respeitáveis, da Europa ocidental.

O grande movimento de revolta social iniciado no século XIX e que notoriamente se propagou ao nível das massas na Península Ibérica, geralmente é conhecido como a grande epopeia anarquista e comunista libertária de Espanha. Poucos sabem que este fenómeno não deixou indiferente o outro, e não muito falado, Estado da mesma península, Portugal, uma das regiões mais atrasadas da Europa Ocidental, até hoje. 
Contudo, no longo período de tempo que se estende desde o fim do século XIX, um papel absolutamente decisivo foi desenvolvido por algumas gerações de revolucionários autênticos, que - quer dentro, quer fora de Portugal - podemos justamente incluir no rol dos "esquecidos" da historiografia oficial: os anarquistas portugueses.

Na prática, três factores actuaram para que sobre o anarquismo português caísse um esquecimento quase completo: 

  1. a posição muito isolada que Portugal acabou por assumir trouxe menos consideração de boa parte da Europa continental, desde o fim da sua hegemonia marítima (disputada com Espanha, Inglaterra e Holanda); talvez daí advenha que as pessoas de cultura média pouco ou nada saibam em relação a Portugal;
  2. a grande importância da epopeia anarquista espanhola na história das revoluções europeias do século passado que também fez concentrar, de modo absorvente, a atenção dos historiadores do movimento anarquista e libertário; 
  3. a ocultação propositada, com fins propagandísticos, por parte de "leninistas" em relação às origens anarquistas do PCP; os seus intelectuais orgânicos re-escreveram e divulgaram uma história que não "confundisse" as massas (o mesmo aconteceu na Itália depois do 25 de Abril de 1945).

Assim, são bem poucos os que sabem que graças a estes "esquecidos", o anarquismo - pelo menos até aos anos '40 do século passado - foi a corrente ideológica predominante no meio da classe operária portuguesa. Isto, graças ao trabalho de mulheres e homens que dedicaram a sua vida e as suas melhores energias, físicas e psíquicas, a um ideal altruísta sem pedir nada para si (em conformidade com as suas próprias ideias), que conheceram as perseguições, as prisões e as deportações, a tortura, o exílio, a pobreza e a morte; nem sequer recebendo um "obrigado", caídos no esquecimento no seu próprio país (para os anarquistas é um hábito), mas cuja paixão ainda tem hoje gente devotada, igualmente desinteressada, numa situação geral bem mais difícil do que a da Espanha actual. 

A memória do que estas "grandes pequenas" pessoas fizeram merece ser recuperada e mantida, porque se trata de nossos companheiros, dos quais não se pode dizer (usando a expressão de Miguel de Unamuno para estigmatizar a indolência do homem medíocre) que murieron sin haber vívido. Só alguns nomes (1): Adriano Botelho, Aurélio Quintanilha, José Correia Pires, Neno Vasco, Francisco Quintal, Jaime Brasil, António Pinto Quartim, Jorge Quaresma, Sebastião de Almeida, Fernando Barros, Adolfo Lima, Júlio Gonçalves Pereira, Armindo Sarilho, José Augusto de Castro, Augusto Godinho, Joaquim Moreira e Silva, António Dias Fontes, Mário Ferreira, Cristiano de carvalho, José Rodrigues Reboredo, Margarida Barros,, Virgínia Dantas, Luís Portela, Aníbal Dantas, Raul Zacarias, António Libório, Arnaldo Simões Januário, Deolinda Lopes Vieira, Clemente Vieira dos Santos, Miquelina Sardinha, Serafim Cardoso Lucena, Manuel F. Correia, Jaime Reselo, António José Ávila, Campos Lima, Darwin Castelhano, António Teixeira Júnior, Almeida Costa, José de Almeida, Adolfo de Freitas, José Vaz Rodrigues, Valentim Adolfo João, António Alves Pereira, Manuel Joaquim de Sousa, Germinal de Sousa, José Francisco, Américo Martins Vicente, Artur Modesto, Augusto Tiago Ferreira, Luís Redondo, Pedro Ferreira da Silva, Álvaro A. De Oliveira, Melena Gonçalves, Mário Azevedo, Soares Lopes, Abílio Ribeiro, João Silva, Miguel Correia, Alberto Dias, António Aleixo, José Marques da Costa, José António Machado, Alexandre Belo, Adriano Pimenta, Luísa Adão, Lígia de Oliveira, Eduardo Pereira, José Benedey, Mário Castelhano, Custódio da Costa, Álvaro da Costa Ramos, Pedro Matos Felipe, e muitos, muitos outros.

As páginas que se seguem podem ser vistas como a homenagem que lhes é devida. "Felizmente fica a história. Felizmente fica a memória" (2).



(1) Em boa parte tomados desde E. RODRIGUES, História do Movimento Anarquista em Portugal, www.agrorede.org.br/ceca/edgar/AnarPort.html
(2) I. PACO TAIBO II, Arcangeli, Milano 1998, p.195.

 


OS EXÓRDIOS DO ANARQUISMO PORTUGUÊS

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