Sobre o Chile

Há 29 anos, após o golpe no Chile, os comunistas anarquistas de Itália escreveram o seguinte, que nós agora reproduzimos como forma de recordar os milhares de mulheres e de homens que ao longo de décadas combateram e tentaram resistir à ditadura chilena, ao preço da sua vida e sua liberdade.

"A 11 de Setembro de 1973 o governo de Allende foi derrubado e uma ditadura fascista instalada!!!

A esquerda unida no Chile, a Unidad Popular, estava levando a cabo um projecto reformista, uma primeira experiência no caminho dessa nação para o socialismo; a importância histórica desta experiência é imensa pois nos permite fazer uma análise a partir da qual lições valiosas sobre a estratégia revolucionária podem ser tiradas.

Desde há algum tempo, o Chile tornou-se no epicentro das contradições do imperialismo na América Latina e, nos anos mais recentes, o confronto entre duas classes fundamentais, a burguesia e o proletariado, tornou-se cada vez mais radical.

O projecto da Unidad Popular previa uma mudança nas condições dos trabalhadores através de uma acção reformista, civilista, democráticadentro dos moldes das instituições burguesas. Para serem ajudados neste empreendimento procuraram e obtiveram uma aliança com elementos burgueses progressistas que apoiavam um processo de independência económica e política para o Chile. Foi com o apoio desses elementos que a Unidad Popular conseguiu ascender ao poder governativo. A vitória eleitoral e as primeiras nacionalizações puseram em marcha um movimento que iria afastar-se do caminho reformista - as ocupações de terras e de fábricas criaram novas relações de poder numa luta de classes que iria tornar-se cada vez mais intensa.

O processo já não podia ficar limitado dentro das fronteiras do reformismo e deveria ter continuado até ao momento em que o Estado burguês ficasse destruído e o proletariado tivesse tomado controlo de todos os pontos vitais da economia do país.

A incapacidade do reformismo de gerir e de incentivar tal processo até ao confronto final traçou a derrota do proletariado chileno.

A burguesia progressista, tendo compreendido que os trabalhadores eram uma ameaça aos seus interesses de classe, depressa se virou para aquele instrumento que sempre usa para se defender dos ataques do proletariado - um golpe de estado por parte dos fascistas ou dos militares. A mesma burguesia que apoiara no início Allende, estava agora aliada com a outra metade da sua própria classe e, em unidade com ela, preparou a sangrenta derrota do proletariado. Ao mesmo tempo que os trabalhadores continuavam a fazer avançar os seus interesses, ocupando fábricas e criando órgãos de democracia directa, a burguesia estava trabalhando para uma paragem de todo o processo. A Unidad Popular foi incapaz de fazer qualquer coisa - de tal modo continuava tentando conquistar a burguesia progressista e em respeitar os limites da constitucionalidade, que não conseguiu perceber o confronto que estava tendo lugar devido à sua própria natureza. Os interesses das classes tinham emergido sem qualquer disfarce, de tal modo que qualquer hesitação iria lançar as classes exploradas na derrota certa, o que de facto acabou por ocorrer. A tentativa de reconciliação com a burguesia, em vez de a atacar e de assumir um confronto armado conduzindo à vitória do proletariado, foi um erro grave que irá pesar muito em todo o sub-continente Latino Americano ainda por longo tempo.

O golpe de estado feito pela burguesia nacional com o apoio do imperialismo americano tomou de surpresa o movimento dos explorados. A resistência heroica dos companheiros chilenos não foi suficiente para derrotar a burguesia e os criminosos, que eram os executores da restauraçãoe deram largas ao seu anti-comunismo, matando e torturando; mostrando de novo a face real da burguesia. Confirmou também o facto de que não pode haver compromisso ou conciliação entre a classe dos exploradores e a dos explorados" (1974)

E foi o Chile de Pinochet, assente num dos golpes contra-revolucionários mais sangrentos de que há memória, que foi usado pelos EUA como um laboratório experimental das estratégias capitalistas que conhecemos hojetão bem: controlo social, síndrome securitária, privatização da economia, desmantelamento das pensões do Estado e recurso ao trabalho temporário.Eis porque a herança da luta de massas, da auto-organização e do anti-fascismo deve continuar hoje a alimentar a nossa memória histórica queindispensável para aslutas anti-capitalistas de hoje e de amanhã.

 

FEDERAZIONE dei COMUNISTI ANARCHICI

[traduzido para a-infos-pt por M.B.]