LUTAS CONTRA A “MACDONALDIZAÇÃO” DA UNIVERSIDADE E DAS ESCOLAS

 

Nas últimas semanas (1) houve em Itália um forte recomeço do movimento estudantil ou - para dizer melhor - dos docentes precários e dos estudantes universitários e da escola secundária. A faísca partiu da chamada "reforma Moratti", que não é uma reforma, mas o enterro definitivo da universidade pública através da redução a metade do quadro permanente dos docentes, da precariedade dos sobreviventes e da introdução definitiva das regras do mercado no sistema universitário mesmo, que assim se torna semipúblico. Esta orientação "liberal" do ensino, ligada às regras do mercado, foi já introduzida pelo precedente governo de centro-esquerda, cuja "reforma Berlinguer" tinha transformado significativamente o ensino de cada nível e grau numa "formação" (para o mercado de trabalho??), introduzindo lógicas de mercado estranhas ao conceito de liberdade de investigação e pedagógica, restaurando também os mecanismos mais vetustos do poder académico na Universidade, arruinando definitivamente um sistema escolar bastante aberto, pluralista e participado, que sobrevivia todavia, como resultado das reformas introduzidas depois das lutas do ’69 e dos anos sucessivos. A 25 de Outubro houve o dia "clou" da batalha contra o "decreto Moratti", porque neste dia o Parlamento devia aprovar definitivamente o decreto: um Parlamento blindado, no interior e fora. No interior, porque o governo Berlusconi tinha colocado a questão da confiança em relação ao decreto, considerado pela direita o instrumento para acabar com todos os "comunistas" que encheram o corpo docente na Universidade! Assim e desde sempre se exprimem estas forças políticas que não aguentam o pluralismo de ideias e o confronto. Ouviram-se coisas ainda piores no hemiciclo do Parlamento e nos "mass-media". Foi bastante significativo ver a forma como, a 25 de Outubro, deputados de direita (Aliança Nacional, o partido do Vice-Presidente do Conselho, cuja órigem é o pior fascismo reciclado) sairam do portão do Parlamento, para provocar uma multidão de estudantes, docentes, precários, sindicalistas, os quais cercavam o edifício do parlamento, embora mantidos à distância devida por consistentes forças de polícia. Muitos jornais (de centro-esquerda, naturalmente) publicaram a notícia das injúrias dirigidas por estas figuras fascistas aos nossos companheiros e da "linda" imagem de uma bem pouco digna senhora deputada, fascista d.o.c. - a Santanché - que, de dedo médio erguido, fazia um gesto trivial que significa "nós vos fodemos".

Esta é a cultura que reina e reinará nas escolas cada vez mais. É uma boa razão para ter esperança o facto de que aquela manifestação em Roma teve a participação de 50.000 pessoas, pelo menos (número aceite por todos, se bem que partes do movimento tenham avançado com o número de 100.000 pessoas: in medio stat veritas?). Como foi possível chegar a uma resposta tão resoluta do movimento de contestação na Universidade, também com a participação dos estudantes das escolas secundárias? Deve-se dizer que nos dois meses precedentes - após períodos de movilização, também antes das férias do Verão - nos Ateneus e nas escolas recomeçara a actividade de colectivos, assembleias, desfiles: discussões, participação. O que é fundamental é que este movimento, bem que centrasse o seu programa na luta contra o "decreto Moratti", soube conjugar esta crítica radical com toda uma série de transformações que, na Itália como nos outros países europeus, estão em fase de desenvolvimento. A privatização dos serviços públicos, a redução dos gastos sociais que a lei do Orçamento de Estado examinada pelo Parlamento, com reduções que ultrapassam qualquer limite, a precariedade das relações de trabalho, a insegurança e o individualismo que alastram. O movimento tem -além disso- a consciência clara de que uma escola privatazada, pouco funcional – senão para os grandes grupos de poder dos ‘barões’, que andam a reforçar-se – é, ao invés funcional, para um mercado de trabalho sem regras, onde se deve entrar em concorrência com os outros, onde não há mais amortecedores sociais a favor dos sectores desfavorecidos da sociedade. Sabe-se bem que tudo isto vai originar uma escola de classe, no sentido de que somente pelo dinheiro das famílias será possível conseguir uma formação que permita uma boa colocação no mercado do trabalho. As classes dirigentes já têm estruturas para a formação; para estas gasta-se também dinheiro público em Itália, sobretudo se as estruturas são católicas. A propósito!

Há pouco foi aprovada uma lei que elimina as dúvidas sobre a identidade dos aliados ex-fascistas e dos Berlusconis de hoje: como ontem, as Igrejas e –no primeiro lugar - a católica.

De facto, os imóveis de todas as Igrejas em Itália estão isentos dos impostos, embora produzam rendimentos. No início, a lei referia-se apenas à Igreja católica, depois foi estendida às Igrejas todas: isto, no momento em que se reduziam todos os gastos sociais. É como rir na cara dos destinatários de pensões sociais cada vez mais insuficientes e das dificuldades económicas das autarquias, distribuidoras de serviços sociais. Na Itália há já cerca de 30% de população que se situa abaixo do limiar da pobreza e vai aumentar a disparidade – já muito acrescida durante o governo de centro-direita – entre os poucos que possuem grandes riquezas e os muitos que procuram sobreviver e – como se diz na Itália – não conseguem comer na última semana do mês. É nesta situação que se alimenta o mercado do trabalho baseado no individualismo, na concorrência, na adaptabilidade e no atirar para as margens os que não seguem o ritmo desta estrutura capitalista, absolutamente desumana. E se os estudantes fossem a vanguarda de um novo movimento que dê a volta à Europa como resposta a tudo isto, talvez à maneira de Robin Hood?

Adriana Dadà (2)

 

Notas dos Editores:

(1) nas "últimas semanas" refere-se às de Outubro de 2005

(2) Professora e Investigadora de História Contemporânea na Universidade de Florença


Artigo de "Luta Social" n°.9-10, dezembro de 2005